Coluna Gustavo Almeida

Secretaria estadual executa mesma obra feita por prefeitura e TCE-PI suspende pagamentos

Secretário que comanda a pasta é primo e principal padrinho político do candidato de oposição no município.

Ao lado de primo candidato, secretário Daniel Oliveira foi ao local anunciar obra (Reprodução/Instagram)

Ao lado de primo candidato, secretário Daniel Oliveira foi ao local anunciar obra (Reprodução/Instagram)

12 de agosto de 2024 às 08:08
9 min de leitura

O Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI), por meio de uma decisão do conselheiro Jackson Nobre Veras, mandou a Governo do Piauí suspender a obra de construção de uma passagem molhada na estrada vicinal da localidade Gavião, zona rural de Canto do Buriti, a 405 km de Teresina. A suspensão publicada nesta segunda-feira (12) no Diário Oficial do TCE-PI acontece porque a mesma obra já consta em um convênio da prefeitura. A recuperação da estrada por parte do município começou em abril.

Mesmo com a execução iniciada pela prefeitura, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), comandada pelo petista Daniel Oliveira, licitou a construção da passagem molhada no mesmo trecho da estrada e contratou a empresa Costa e Carvalho Ltda para fazer o serviço. Para o conselheiro Jackson Veras, o caso caracteriza sobreposição de obras públicas.

Prefeito denunciou o caso

O prefeito de Canto do Buriti, Fellipe Alves (MDB), levou o caso ao TCE (Reprodução/Instagram)

A denúncia ao TCE-PI foi feita pelo prefeito de Canto do Buriti, Fellipe Alves (MDB). O gestor alega que a execução simultânea impede a prefeitura de concluir a obra já iniciada pelo município. Na representação, ele pediu que fosse determinada a imediata suspensão de quaisquer atos decorrentes da contratação feita pelo Governo do Estado, obrigando a Semarh a retirar todos os equipamentos e maquinário e não realizar pagamentos, afim de viabilizar a conclusão da obra que a prefeitura já tinha iniciado.

Risco de superfaturamento

Na representação, o prefeito sustenta que a tentativa do secretário Daniel Oliveira de executar a mesma obra pode gerar "superfaturamento por quantidade". Isso se dá quando um ente público realiza pagamentos por serviços feitos por outro ente.

"Como a licitação realizada pela Semarh é posterior à da Prefeitura Municipal de Canto do Buriti, a Secretaria Estadual abriu certame com objeto sobreposto ao já licitado pelo município, desrespeitando o 37 caput da Constituição Federal [...] Além disso, tal fato pode ocasionar superfaturamento por quantidade, pois o erário estadual pode realizar desembolsos por serviços feitos pela contratada da municipalidade ou o Município pode realizar pagamentos por serviços feitos pela contratada do Estado", diz trecho da ação.

O prefeito de Canto do Buriti alegou ainda que houve violação do Pacto Federativo, uma vez que a Secretaria do Meio Ambiente decidiu iniciar a obra sem consentimento do Município, ofendendo a autonomia municipal.

R$ 1 milhão e anúncio no local

Daniel Oliveira foi até a comunidade anunciar obra e publicou vídeo (Reprodução/Instagram)

A obra licitada pelo Governo do Estado tem valores estimados em R$ 1 milhão. O próprio Daniel Oliveira foi até a região da localidade Gavião no dia 31 de maio deste ano anunciar o início dos trabalhos. A obra da Semarh inclui também a construção de uma outra passagem molhada na mesma área.

"Esta é uma obra histórica, reivindicada por nós ao governador Rafael Fonteles, que autorizou mais de R$ 1 milhão em investimentos do Governo do Estado, através da Semarh", disse Daniel em vídeo gravado ao lado do candidato a prefeito Guilherme Oliveira e outros aliados políticos.

Daniel argumentou, mas não colou

Instado a se manifestar pelo conselheiro Jackson Veras, o secretário Daniel Oliveira alegou que os locais das obras são distintos. Segundo ele, a passagem molhada que vem sendo executada pelo Governo do Estado não estava dentro do trecho de obras da prefeitura. Em sua defesa, chegou a anexar uma imagem de satélite da área.

Argumento de Daniel foi por água abaixo após análise técnica realizada (Reprodução/Instagram)

O TCE-PI solicitou, então, esclarecimentos técnicos à Diretoria de Fiscalização de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano (DFINFRA), responsável por estudos técnicos no âmbito do Tribunal. A unidade constatou, em seu relatório, que há uma sobreposição de objetos na construção da passagem molhada do Gavião, e defendeu a concessão de medida cautelar para suspender os serviços da Semarh.

Tudo bem detalhado

A constatação da sobreposição ficou demonstrada a partir da análise do projeto básico das duas obras. Em consulta ao projeto básico da prefeitura de Canto do Buriti, observou-se que há a previsão de construir uma passagem molhada com bueiros triplos tubulares de concreto (BTTC) entre as estacas 36 e 39. Já o projeto da Semarh tem a previsão de fazer uma passagem molhada com bueiros simples tubulares de concreto (BSTC), na seguinte coordenada: (LAT: - 8.15739º, LONG: - 43.04492º).

Ao proceder com a quantificação da distância entre os trechos citados nas licitações, a unidade técnica verificou que a distância entre a passagem molhada do Gavião e o início do trecho é de 776 metros, com base no projeto básico da Secretaria de Estado, ou seja, a obra estaria na estaca de número 38.

"Destarte, a localização mencionada na obra licitada pela municipalidade para a passagem molhada do Gavião no projeto e na defesa apresentada pela Secretaria Estadual estaria posicionada entre as estacas 38 e 39, o que evidencia que as duas licitações previram a execução de uma passagem molhada no mesmo local", diz a análise técnica.

Nada de ordem de serviço

Conselheiro Jackson Veras (Divulgação/TCE-PI)

A Semarh já fez os empenhos dos valores referentes à obra, mas ainda não liquidou nem pagou pelos serviços feitos até aqui. Para evitar que pagamentos sejam feitos e gerem prejuízos aos cofres públicos, a representação do prefeito Fellipe Alves foi acatada e a suspensão dos atos decorrentes da contratação foi determinada.

"Assim, como não houve a liquidação de quaisquer serviços executados, como medida de prudência e a fim de afastar a ocorrência de possíveis prejuízos ao erário e o desperdício de recursos públicos, demonstra-se necessário a concessão de medida cautelar em face da Semarh, a fim de que o gestor [Daniel Oliveira] se abstenha de emitir a ordem de serviço até que o mérito da matéria apontada no relatório seja julgado em definitivo", diz a decisão de Jackson Veras.

A decisão cautelar monocrática será levada posteriormente para análise do plenário do TCE-PI.

Interesse político

Candidato de oposição a prefeito na cidade é primo de Daniel Oliveira (Reprodução/Instagram)

Tamanho interesse do secretário Daniel Oliveira de executar a obra e comprar briga com o prefeito Fellipe Alves não é à toa. A família do petista é de Canto do Buriti e ele é o principal padrinho político do candidato a prefeito de oposição Guilherme Oliveira (PT), seu primo. Nos últimos meses, o secretário tem se engajado fortemente na eleição.

Em evento de pré-campanha do primo no final de junho, Daniel Oliveira fez um discurso pra lá de empolgado e disse que, se Guilherme for eleito, o município vai ter dois prefeitos e duas primeiras-damas. Os dois prefeitos seriam o Guilherme e ele Daniel e as primeiras-damas seriam as esposas de ambos.

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