Coluna Penal 360

A delicada balança entre segurança e privacidade na interceptação telefônica

Constituição Federal sublinha a sacralidade do sigilo das comunicações, estipulando que sua violação é admissível unicamente sob ordem judicial.

A delicada balança - Foto: Reprodução

A delicada balança - Foto: Reprodução

23 de junho de 2024 às 13:05
20 min de leitura

Por Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Direto de Brasília

A interceptação telefônica, essencial nas investigações criminais, é rigorosamente regulada pela Lei nº 9.296/1996. Esta legislação a define como uma ferramenta probatória secundária, cuja utilização é condicionada à prévia tentativa de outros métodos menos intrusivos. Esse cuidado legislativo visa salvaguardar o direito ao sigilo das comunicações, garantindo que a interceptação seja adotada de forma limitada e apenas como recurso final na coleta de evidências.

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro - Foto: Divulgação

A Constituição Federal, especificamente no artigo 5º, inciso XII, sublinha a sacralidade do sigilo das comunicações, estipulando que sua violação é admissível unicamente sob ordem judicial e com propósitos bem definidos, como a investigação criminal ou a instrução processual penal. Esta disposição constitucional estabelece um equilíbrio delicado entre a necessidade de eficácia nas investigações e a imperatividade de proteger os direitos fundamentais, com destaque para a privacidade, consolidando-se como um dos fundamentos da justiça no Brasil.

A jurisprudência brasileira tem consistentemente enfatizado a obrigatoriedade de uma justificativa detalhada e precisa para a autorização de interceptações telefônicas, reforçando a necessidade de provar a insuficiência de outros meios de prova menos invasivos. Este princípio foi exemplificado no caso do Habeas Corpus nº 88.825/GO, julgado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima. Neste julgamento, destacou-se a importância de aderir aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e respeito à dignidade da pessoa humana, reiterando o compromisso do judiciário brasileiro com a proteção dos direitos individuais mesmo no contexto de investigações criminais.

Coluna Penal 360 - Foto: Chris Yang na Unsplash

Trechos da ementa:

É inadmissível a manutenção da prova resultante de interceptação oriunda de injustificada quebra do sigilo telefônico, por falta de qualificação do agente e indicação de indícios razoáveis da sua autoria ou participação em infração penal, da inadequada fundamentação das autorizações judiciais, conforme exige o parágrafo único do art. 2º da Lei 9.296/96, por violar os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, além do excessivo período (660) dias, aproximadamente, da quebra do sigilo.

O Artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996 define claramente que a interceptação telefônica é uma medida de caráter excepcional, não sendo permitida caso as evidências possam ser obtidas por outros meios disponíveis. Esta disposição sublinha o princípio de que a violação do sigilo das comunicações deve ser uma ação evitada pelo Estado, exceto quando absolutamente necessária para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, em alinhamento com o que preconiza o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal.

A revisão de precedentes judiciais, como o Habeas Corpus nº 191.378/DF e o Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 25.174/RJ, destaca a necessidade de uma abordagem proporcional e meticulosamente fundamentada na autorização para quebra de sigilos. Essa prudência é vital para evitar que tais autorizações se tornem ferramentas de investigação genérica e desmedida. Um exemplo emblemático dessa preocupação é evidenciado na decisão do Mandado de Segurança (MS) 23964, relatado pelo Ministro Celso de Mello. Nesse julgamento, foi ressaltada a inadequação de violações de sigilo baseadas em decisões genéricas e padronizadas, como aquelas frequentemente emitidas por Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que conflitam com os princípios constitucionais. O Supremo Tribunal Federal (STF) reiterou que, para estar em conformidade com os preceitos constitucionais, qualquer decisão que autorize a quebra de sigilo deve ser apoiada por uma justificação específica e detalhada, que demonstre claramente a existência de uma causa provável que justifique tal intervenção.

Trechos da ementa do MS 23964:

A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o texto da Constituição, quando fundada em deliberações emanadas de CPI, cujo suporte decisório apóia-se em formulações genéricas, muitas vezes padronizadas, que não veiculam a necessária e específica indicação da causa provável, que constitui pressuposto de legitimação essencial à válida ruptura, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Carta Política.

Em recentes julgamentos, como o Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus (AgRg no RHC) nº 169.330/RJ e o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AgRg no AREsp) nº 830.337/SC, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou a importância de uma justificação minuciosa e bem fundamentada para a autorização de interceptações telefônicas. Essas decisões reforçam a necessidade de observância aos princípios de proporcionalidade e necessidade, que são fundamentais para a legalidade dessas medidas.

Um exemplo notável dessa jurisprudência envolveu a análise da complexidade na autorização de interceptações telefônicas. A justificativa para tal medida foi baseada em evidências substanciais do envolvimento do acusado em atividades de tráfico de drogas. A dificuldade em monitorar diretamente tais atividades criminosas, exacerbada pelo uso de comunicações telefônicas para facilitar o tráfico de drogas e pela limitação de recursos policiais e materiais, foi crucial para a decisão.

Adicionalmente, o STJ enfatizou a responsabilidade da defesa em situações onde se alega a violação do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 9.296/1996. Foi determinado que compete à defesa demonstrar a viabilidade de outros meios probatórios disponíveis no momento da solicitação para a quebra do sigilo telefônico. No caso em análise, a defesa não conseguiu comprovar a existência de alternativas viáveis para a coleta das provas necessárias, validando assim a autorização da interceptação telefônica.

Essas decisões judiciais evidenciam o esforço do judiciário em manter um equilíbrio entre a eficiência das investigações criminais e a salvaguarda dos direitos fundamentais. Elas garantem que as interceptações telefônicas sejam empregadas de maneira equitativa e somente quando absolutamente indispensáveis, refletindo o compromisso com a justiça e a proteção das liberdades individuais.

Trechos da ementa do Agravo em Recurso Especial (AgRg no AREsp) nº 830.337/SC:

2. Hipótese em que o Tribunal de origem demonstrou validamente a necessidade de interceptação telefônica, pois, além de haver fortes indícios da prática do tráfico de entorpecentes pelo réu, o monitoramento presencial das ações criminosas realizadas era de difícil execução, haja vista o intenso comércio de drogas via conversas telefônicas e a falta de efetivo policial e material necessário para o acompanhamento da atividade delitiva.
3. É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que, em se tratando alegada violação ao art. 2º, II, da Lei n. 9.296/1996, cabe a defesa demonstrar se realmente haviam outros meios de provas disponíveis para a apuração dos fatos ao tempo do requerimento da quebra do sigilo telefônico, o que não ocorreu na espécie.

No julgamento do Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus (AgRg no RHC) nº 169.330/RJ, presidido pelo Ministro Joel Ilan Paciornik e deliberado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 20 de março de 2023, com sua decisão publicada no Diário da Justiça eletrônico em 24 de março de 2023, foram meticulosamente examinadas objeções à legalidade de uma autorização para interceptação telefônica. A defesa argumentava que essa autorização contrariava o artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996, sustentando que havia métodos menos invasivos disponíveis para a coleta de provas, o que tornaria a interceptação desnecessária e ilegal.

A análise do STJ sobre essa questão foi decisiva. A Corte estabeleceu um precedente importante, afirmando que, diante de alegações de que a interceptação telefônica poderia ser substituída por métodos menos invasivos, incumbe à defesa não apenas levantar tal argumento, mas também demonstrar, de maneira concreta e fundamentada, a viabilidade dessas alternativas. Isso implica que a defesa deve apresentar provas ou argumentos sólidos que indiquem a existência e a eficácia de outros meios de obtenção de provas que poderiam ter sido utilizados em lugar da interceptação telefônica.

Este entendimento do STJ reforça a necessidade de uma fundamentação detalhada e criteriosa para a autorização de interceptações telefônicas, alinhando-se com os princípios de proporcionalidade e necessidade. A decisão sublinha que a violação do sigilo das comunicações é uma medida extrema, que só deve ser adotada quando estritamente necessária e quando não houver alternativas menos invasivas eficazes à disposição para a investigação. Tal posicionamento do STJ destaca a importância de proteger os direitos fundamentais dos indivíduos, ao mesmo tempo em que se permite a condução eficaz de investigações criminais, equilibrando de forma justa os interesses em jogo.

Trechos da ementa:

Anota-se, ainda, que é a defesa quem deve demonstrar a possibilidade de produção probatória pela acusação por outros meios, sem a necessidade da quebra do sigilo telefônico.

No julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 533.348/CE, realizado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1º de outubro de 2019 e publicado no Diário da Justiça Eletrônico em 10 de outubro de 2019, sob a relatoria do Ministro Jorge Mussi, foi enfatizado que constitui responsabilidade da defesa, ao alegar violação ao artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996, demonstrar a existência de meios investigativos alternativos disponíveis às autoridades na época em que a medida invasiva foi solicitada. Isso é necessário para evitar que a utilização da interceptação telefônica se torne inviável por falta de fundamentação.

Neste caso específico, foi considerado que, além da implementação de outros métodos investigativos que se mostraram insuficientes para resolver o caso, as autoridades responsáveis pelas investigações forneceram justificativas convincentes para o uso excepcional da interceptação telefônica. Essas justificativas foram aceitas pela autoridade judiciária, que considerou a medida apropriada e sem ilegalidades no deferimento da quebra do sigilo telefônico. A decisão também destacou a falha da defesa em apresentar ao processo qualquer evidência que sugerisse precipitação na adoção da medida.

Portanto, a Quinta Turma do STJ, ao analisar o caso, reforçou a ideia de que, para contestar a legalidade da interceptação telefônica, não basta a defesa alegar genericamente a existência de alternativas; é necessário que apresente provas concretas dessas alternativas. A ausência de tal demonstração, aliada às justificativas plausíveis fornecidas pelas autoridades investigativas e à aceitação dessas justificativas pelo judiciário, valida a decisão de autorizar a interceptação telefônica como um recurso investigativo legítimo diante da insuficiência de outros métodos investigativos.

Trechos da ementa:

6. É ônus da defesa, quando alega violação ao disposto no artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996, demonstrar que existiam, de fato, meios investigativos alternativos às autoridades para a elucidação dos fatos à época na qual a medida invasiva foi requerida, sob pena de a utilização da interceptação telefônica se tornar absolutamente inviável.
7. Na hipótese em apreço, além de terem sido adotados outros meios de investigação, que não se revelaram suficientes para o deslinde da questão, o órgão responsável pelas apurações apresentou justificativas plausíveis para a excepcional utilização da interceptação telefônica, argumento que foi acolhido pela autoridade judiciária que o reputou idôneo, inexistindo, assim, qualquer ilegalidade no deferimento da quebra do sigilo telefônico, até mesmo porque olvidou-se a defesa em trazer aos autos elementos de informação que indiquem o açodamento da medida.

A intersecção entre a segurança pública e a privacidade individual, especialmente no contexto da interceptação telefônica, representa um dos dilemas mais complexos enfrentados pelo sistema jurídico brasileiro. A legislação nacional, por meio da Lei nº 9.296/1996, e a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XII, estabelecem um quadro normativo que busca equilibrar essas duas necessidades fundamentais, enfatizando a excepcionalidade da interceptação telefônica e a primazia dos direitos à privacidade e ao sigilo das comunicações.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido consistente em exigir uma fundamentação detalhada e criteriosa para a autorização de interceptações telefônicas, reiterando a necessidade de aderir aos princípios de proporcionalidade, razoabilidade e respeito à dignidade da pessoa humana. Essas cortes superiores têm destacado a responsabilidade da defesa em demonstrar a existência de meios investigativos alternativos menos invasivos, reforçando o papel ativo que deve desempenhar na proteção dos direitos dos acusados.

O equilíbrio entre a eficácia das investigações criminais e a proteção dos direitos fundamentais é um tema recorrente nas decisões judiciais analisadas. A necessidade de justificação minuciosa para a quebra do sigilo telefônico reflete o compromisso do judiciário com a justiça e a proteção das liberdades individuais, garantindo que as interceptações telefônicas sejam empregadas de maneira equitativa e apenas quando estritamente necessárias.

A análise da jurisprudência revela um esforço contínuo do judiciário em manter um equilíbrio justo entre a segurança pública e a privacidade individual, evidenciando a complexidade dessa tarefa na era digital. As decisões judiciais sublinham a importância de uma abordagem proporcional e meticulosamente fundamentada na autorização para quebra de sigilos, evitando que tais autorizações se tornem ferramentas de investigação genérica e desmedida.

Em conclusão, o papel da interceptação telefônica na justiça brasileira é marcado por uma busca constante pelo equilíbrio entre a necessidade de segurança pública e a salvaguarda dos direitos individuais. A legislação e a jurisprudência refletem um compromisso com a proteção da privacidade e do sigilo das comunicações, ao mesmo tempo em que reconhecem a importância dessas ferramentas na elucidação de atividades criminosas. O desafio reside em garantir que tais medidas sejam utilizadas de forma justa, proporcional e, sobretudo, fundamentada, assegurando a proteção dos direitos fundamentais em um contexto de crescente complexidade e desafios tecnológicos.

Fontes:

  • Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  • Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996.
  • Decreto-Lei nº. 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
  • HC n. 88.825/GO, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 15/10/2009, DJe de 30/11/2009.
  • HC n. 191.378/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/9/2011, DJe de 5/12/2011.
  • HC n. 137.349/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 30/5/2011.
  • RMS n. 25.174/RJ, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19/2/2008, DJe de 14/4/2008.
  • MS 23964, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2001, DJ 21-06-2002 PP-00098 EMENT VOL-02074-02 PP-00366.
  • AgRg no RHC n. 169.330/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 24/3/2023.
  • AgRg no AREsp n. 830.337/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/2/2019, DJe de 6/3/2019.

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