Coluna Penal 360

Desvendando concussão e extorsão no Direito Penal brasileiro

Legislação e a jurisprudência no Brasil estabelecem critérios claros para distinguir e punir os crimes de concussão e extorsão.

Sequestro - Foto: James Kovin na Unsplash

Sequestro - Foto: James Kovin na Unsplash

25 de julho de 2024 às 09:37
20 min de leitura

Por Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Direto de Brasília

No cenário jurídico brasileiro, a distinção entre concussão e extorsão transcende a mera definição de condutas ilícitas, refletindo o empenho do sistema de justiça em salvaguardar a integridade da administração pública e a proteção da ordem patrimonial. Essa diferenciação não só delimita os contornos legais para a atuação dos funcionários públicos mas também evidencia o compromisso do judiciário com os princípios da moralidade e da legalidade.

A concussão é definida pela demanda de vantagem indevida por um servidor público, atuando dentro de suas funções, mas sem recorrer à violência ou à ameaça. Essa característica a distingue claramente da extorsão, que se configura pela obtenção de vantagem mediante a coação, com a explícita utilização de ameaça ou violência contra a vítima, visando à obtenção de um benefício econômico.

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro - Foto: Divulgação

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desempenha um papel crucial na interpretação e aplicação desses conceitos, estabelecendo precedentes que reforçam a seriedade com que o sistema jurídico aborda violações à ética e à integridade na administração pública. As decisões do STJ não apenas esclarecem os limites entre essas duas figuras criminais mas também reiteram a necessidade de uma atuação pública pautada nos mais altos padrões de probidade e retidão.

Além disso, a diferenciação entre concussão e extorsão tem implicações diretas nas penalidades aplicadas, refletindo a gravidade atribuída a cada tipo de conduta. Enquanto a concussão é vista como um abuso de poder para benefício próprio, sem o emprego de força, a extorsão é tratada com maior rigor, dada a sua natureza agressiva e o impacto direto sobre a liberdade e o bem-estar da vítima.

Essa distinção enfatiza a importância de uma administração pública íntegra e transparente, onde o abuso de poder e a corrupção são combatidos de maneira eficaz. O entendimento e a aplicação correta desses conceitos pelo sistema de justiça são fundamentais para a manutenção da confiança pública nas instituições e para a promoção de uma sociedade mais justa e equitativa.

No emblemático julgamento do APn n. 422/RR, conduzido sob a relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão que reforça a compreensão do crime de concussão como sendo de natureza formal. Essa decisão destaca que a consumação do delito ocorre no exato momento em que o funcionário público exige para si ou para outrem, direta ou indiretamente, qualquer vantagem indevida, independentemente da efetiva obtenção dessa vantagem. Tal interpretação ressalta a seriedade com que o sistema jurídico brasileiro encara a proteção da moralidade e da integridade na administração pública.

Sequestro - Foto: James Kovin na Unsplash

A decisão do STJ, neste caso, sublinha a importância de se entender a concussão não apenas como um ato de corrupção, mas como uma violação grave da confiança pública. Ao definir o crime de concussão pela mera exigência da vantagem indevida, o judiciário brasileiro reforça os mecanismos de dissuasão contra abusos de poder por parte de funcionários públicos, evidenciando o compromisso com a prevenção de atos que comprometam a ética e a integridade no exercício da função pública.

Este entendimento jurídico serve como um lembrete poderoso de que a administração pública deve ser exercida com transparência, probidade e respeito aos princípios éticos, e que qualquer desvio desses princípios não será tolerado. A decisão também reitera a responsabilidade dos servidores públicos em manter a mais alta integridade em suas ações, reafirmando que o Estado deve atuar como guardião dos interesses públicos, e não como um meio para obtenção de vantagens pessoais indevidas.

Além disso, a interpretação formal do crime de concussão pelo STJ reforça a ideia de que a luta contra a corrupção e o abuso de poder exige uma vigilância constante e um sistema de justiça eficaz e atento às nuances dos atos praticados por aqueles em posição de autoridade. Isso implica em uma abordagem proativa na identificação e punição de tais atos, mesmo na ausência de dano material direto, pois o dano à moralidade pública e à confiança na administração pública é, por si só, um prejuízo significativo.

A decisão do APn n. 422/RR, portanto, não apenas esclarece a natureza do crime de concussão dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mas também reforça o papel do STJ e do sistema de justiça como um todo na promoção da integridade e da moralidade na administração pública, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.

Trechos da ementa:

O crime de concussão tem natureza formal, sendo suficiente, para sua configuração, a exigência da vantagem indevida. O efetivo auferimento do benefício é mero exaurimento do crime.
(APn n. 422/RR, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 19/5/2010, DJe de 25/8/2010.)

A decisão proferida no AgRg no REsp n. 1.478.523/SP, sob a relatoria do Ministro Jorge Mussi, representa um marco importante na jurisprudência penal brasileira, especialmente no que tange à responsabilização no contexto do crime de concussão. Este julgamento ampliou o espectro da responsabilidade penal, estendendo-a para abranger terceiros que, mesmo não ocupando cargos públicos, de alguma forma colaboram ou participam na execução do delito. Tal decisão reflete um avanço significativo na forma como o sistema jurídico aborda a corrupção e os abusos de poder, evidenciando um compromisso robusto com a erradicação de práticas que comprometem a integridade e o bom funcionamento da administração pública.

A relevância dessa decisão reside na sua abordagem inclusiva, que reconhece a complexidade das redes de corrupção e a variedade de atores que podem estar envolvidos. Ao responsabilizar não apenas os funcionários públicos diretamente envolvidos na exigência de vantagens indevidas, mas também aqueles que, de fora da estrutura governamental, contribuem para a perpetuação desses atos ilícitos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) envia uma mensagem clara de que a justiça está atenta a todas as formas de participação criminosa.

Essa ampliação da responsabilidade penal é um instrumento vital na luta contra a corrupção, pois desencoraja a colaboração de indivíduos do setor privado com agentes públicos corruptos, aumentando assim os riscos legais para todos os envolvidos em tais esquemas. A decisão também reforça a ideia de que a integridade da administração pública é um bem jurídico de valor inestimável, cuja proteção exige a mobilização de todos os recursos disponíveis no ordenamento jurídico.

Além disso, ao estabelecer que a responsabilidade penal pode se estender a terceiros colaboradores, o STJ contribui para a criação de um ambiente onde a transparência e a legalidade são valorizadas, desestimulando a participação em atividades ilícitas. Isso é particularmente importante em um contexto onde as práticas corruptas muitas vezes envolvem complexas redes de cumplicidade que transcendem os limites da administração pública.

A decisão no AgRg no REsp n. 1.478.523/SP, portanto, não apenas reafirma o compromisso do judiciário brasileiro com a justiça e a moralidade na administração pública, mas também amplia o alcance das ferramentas jurídicas disponíveis para combater a corrupção, garantindo que todos os envolvidos em práticas corruptas sejam devidamente responsabilizados. Este julgamento é um passo significativo na direção de uma sociedade mais justa, onde a integridade da administração pública é preservada e valorizada.

Trechos da ementa:

A qualidade de funcionário público de corréu é circunstância elementar do crime de concussão que, nos termos do art. 30, do Código Penal, comunica-se ao partícipe.
(AgRg no REsp n. 1.478.523/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 6/2/2018, DJe de 16/2/2018.)

O julgamento do Habeas Corpus n. 198.750/SP pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) marcou um momento decisivo na jurisprudência brasileira ao esclarecer de forma inequívoca a distinção entre os crimes de concussão e extorsão. Neste julgamento, o STJ enfatizou que a ausência de violência ou ameaça constitui o critério diferenciador fundamental da concussão, em contraste direto com a extorsão, que se caracteriza pela presença de coação sobre a vítima. Esta diferenciação não é meramente teórica; ela tem implicações profundas em termos de penalidade, refletindo a gravidade distinta de cada conduta no âmbito do direito penal.

A concussão, conforme definida neste julgamento, ocorre quando um funcionário público exige, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, qualquer vantagem indevida, aproveitando-se de sua posição, mas sem recorrer à violência ou ameaça. Este crime, portanto, é consumado com a simples exigência da vantagem, independentemente de qualquer coação física ou psicológica sobre a vítima.

Por outro lado, a extorsão distingue-se precisamente pela utilização de violência ou ameaça para compelir alguém a entregar uma vantagem econômica. Este elemento coativo é o que agrava a natureza do crime de extorsão em comparação com a concussão, justificando, assim, uma penalidade mais severa sob a ótica do sistema de justiça penal.

A decisão do STJ no HC n. 198.750/SP serve como um guia claro para a interpretação e aplicação das leis penais relativas a crimes contra a administração pública, oferecendo aos operadores do direito uma base sólida para a diferenciação entre esses dois tipos de delitos. Além disso, reforça o compromisso do judiciário com a precisão na aplicação da lei, assegurando que as penalidades impostas reflitam adequadamente a natureza e a gravidade da conduta criminosa.

Esta diferenciação tem um valor significativo não apenas para a prática jurídica, mas também para a política criminal como um todo, pois destaca a importância de tratar diferentemente condutas que, embora similares em seus objetivos – a obtenção de vantagem indevida –, divergem substancialmente em seus métodos. Ao fazer essa distinção, o STJ contribui para a promoção de uma justiça mais equitativa e proporcional, alinhada com os princípios de individualização da pena e da culpabilidade.

Em suma, o julgamento do HC n. 198.750/SP pelo STJ não apenas esclareceu a distinção jurídica entre concussão e extorsão, mas também reiterou a necessidade de uma aplicação da lei que seja ao mesmo tempo rigorosa e justa, levando em consideração a gravidade específica de cada conduta criminosa.

Trechos da ementa:

O emprego de violência ou grave ameaça é circunstância elementar do crime de extorsão tipificado no art. 158 do Código Penal. Assim, se o funcionário público se utiliza desse meio para obter vantagem indevida, comete o crime de extorsão e não o de concussão.
(HC n. 198.750/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 16/4/2013, DJe de 24/4/2013.)

No contexto jurídico brasileiro, a diferenciação e a sanção aplicadas aos crimes de concussão e extorsão refletem o empenho do sistema de justiça penal em salvaguardar a administração pública e a ordem patrimonial. A concussão, especificamente tipificada no artigo 316 do Código Penal, destaca-se como uma infração grave contra a administração pública. Este delito é caracterizado pela demanda de vantagem indevida por parte de um funcionário público, sem o emprego de violência ou ameaça, diferenciando-se por sua natureza unilateral. Tal distinção é crucial, pois, ao contrário de delitos correlatos como a corrupção passiva, a concussão não requer o consentimento ou a participação ativa da vítima para sua consumação.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem desempenhado um papel vital na interpretação e aplicação deste tipo penal. Por exemplo, o julgamento do APn n. 422/RR, sob a relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, reafirmou a natureza formal do crime de concussão, enfatizando que a consumação do delito ocorre com a mera exigência da vantagem indevida, independentemente de sua efetiva obtenção. Esta interpretação sublinha a importância de proteger a moralidade e a integridade na administração pública, reforçando os mecanismos de prevenção contra o abuso de autoridade.

Além disso, a decisão no AgRg no REsp n. 1.478.523/SP, relatada pelo Ministro Jorge Mussi, expandiu a responsabilidade penal para abarcar terceiros que, não sendo funcionários públicos, auxiliam na execução do crime de concussão. Esta medida assegura a responsabilização de todos os participantes, intensificando o combate a práticas danosas à administração pública.

A distinção entre concussão e extorsão foi meticulosamente esclarecida pelo STJ no julgamento do HC n. 198.750/SP, que apontou a inexistência de violência ou ameaça como o diferencial da concussão em relação à extorsão, que se caracteriza pela coação. Essa diferenciação é de suma importância, pois tem implicações diretas nas penalidades aplicadas, refletindo a severidade de cada ato.

Em suma, a legislação e a jurisprudência no Brasil estabelecem critérios claros para distinguir e punir os crimes de concussão e extorsão, demonstrando o compromisso do sistema de justiça penal com a defesa da administração pública e da ordem patrimonial. Entender essas distinções é fundamental para a correta aplicação da lei, promovendo um ambiente de integridade e transparência na função pública e assegurando que abusos de poder e atos de coação sejam devidamente penalizados, mantendo assim a confiança do público nas instituições e na administração da justiça.

Fontes:

  • Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
  • APn n. 422/RR, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 19/5/2010, DJe de 25/8/2010.
  • AgRg no REsp n. 1.478.523/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 6/2/2018, DJe de 16/2/2018.
  • HC n. 198.750/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 16/4/2013, DJe de 24/4/2013.
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