Coluna Penal 360

Legalidade e fundada suspeita em buscas pessoais sem mandado

Observância ao princípio de que os fins não justificam os meios é crucial, garantindo que a busca pela verdade não comprometa os direitos fundamentais

Policial - Foto: Markus Spiske na Unsplash

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07 de agosto de 2024 às 11:23
8 min de leitura

Por Ricardo Henrique Araújo Pinheiro

Direto de Brasília

No campo do Direito Penal, a integridade do processo legal é um pilar essencial para a administração da justiça. É imperativo que todas as ações conduzidas pelo Estado estejam em estrita conformidade com os preceitos constitucionais e legais. A observância ao princípio de que os fins não justificam os meios é crucial, garantindo que a busca pela verdade não comprometa os direitos fundamentais dos indivíduos.

Nesse contexto, o artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) desempenha um papel fundamental ao estabelecer limites claros para a realização de buscas pessoais sem mandado judicial, condicionando tais ações à existência de fundada suspeita de que o indivíduo porte arma proibida ou objetos que possam ser considerados corpo de delito.

Confira o teor do artigo 244 do Código de Processo Penal:

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Ricardo Henrique Araújo Pinheiro - Foto: Divulgação

A violação desses limites legais pelo Estado, ao realizar buscas pessoais sem atender aos critérios estipulados pelo CPP, constitui uma afronta ao devido processo legal e aos direitos à privacidade e à dignidade da pessoa humana. Provas obtidas por meio de ações que desrespeitam essas normas são contaminadas pela ilegalidade, o que as torna inadmissíveis no processo penal. A jurisprudência brasileira é firme ao aplicar o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, conforme estabelecido no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, que assegura que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

Essa orientação é reforçada pela necessidade de proteger o sistema jurídico contra abusos de autoridade e garantir que a atuação estatal não ultrapasse os limites impostos pela lei. A ilegalidade da prova não apenas compromete a sua validade como elemento de convicção, mas também reflete a importância de se preservar a integridade do processo penal como um todo. Assim, mesmo diante da descoberta de uma ilegalidade ou da obtenção de evidências que poderiam levar à condenação de um indivíduo, tais provas não podem ser utilizadas para fundamentar uma decisão condenatória se forem resultado de uma violação das normas processuais penais.

Portanto, a aderência estrita às disposições legais que regulamentam as buscas pessoais sem mandado judicial é essencial para assegurar a legitimidade das ações do Estado no âmbito penal. A anulação de provas obtidas de forma ilegal é uma consequência direta da aplicação desses princípios, reafirmando o compromisso do sistema jurídico com a justiça, a legalidade e o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Policial - Foto: Markus Spiske na Unsplash

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso em Habeas Corpus (RHC) n. 158.580/BA, sob a relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, da Sexta Turma, julgado em 19 de abril de 2022 e publicado no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) em 25 de abril de 2022, constitui um marco importante na jurisprudência brasileira sobre a legalidade das buscas pessoais sem mandado judicial. Este caso, relacionado ao crime de tráfico de drogas, foi encerrado devido à incapacidade do Estado de comprovar que a busca pessoal realizada sem mandado judicial estava embasada em uma suspeita concreta e fundamentada que justificasse a revista do réu.

O Ministro Rogerio Schietti Cruz, em sua decisão, enfatizou a importância de se respeitar os limites legais e constitucionais para a realização de buscas pessoais, reiterando que tais ações devem ser excepcionais e estritamente fundamentadas em suspeitas concretas de ilegalidade. A decisão destaca que a mera intuição ou suposições infundadas não são suficientes para legitimar a invasão da privacidade e da dignidade das pessoas, sendo necessário que existam elementos objetivos que indiquem a possibilidade de o indivíduo estar envolvido em atividade criminosa.

Trechos da ementa:

Entretanto, a normativa constante do art. 244 do CPP não se limita a exigir que a suspeita seja fundada. É preciso, também, que esteja relacionada à posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Vale dizer, há uma necessária referibilidade da medida, vinculada à sua finalidade legal probatória, a fim de que não se converta em salvo-conduto para abordagens e revistas exploratórias (fishing expeditions), baseadas em suspeição genérica existente sobre indivíduos, atitudes ou situações, sem relação específica com a posse de arma proibida ou objeto (droga, por exemplo) que constitua corpo de delito de uma infração penal. O art. 244 do CPP não autoriza buscas pessoais praticadas como rotina ou praxe do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas apenas buscas pessoais com finalidade probatória e motivação correlata.

Em resumo, a jurisprudência do STJ reforça que a legalidade e a proporcionalidade devem nortear todas as ações do Estado no âmbito penal, especialmente quando se trata de medidas invasivas como as buscas pessoais. As ações de combate ao crime devem ser pautadas pela utilização da inteligência investigativa, pois a brutalidade policial não se confunde com eficiência na produção probatória. O Estado sai prejudicado quando as cortes superiores declaram a nulidade de uma prova produzida por um agente estatal. Não adianta nada produzir uma prova em violação ao devido processo legal, uma vez que os órgãos de persecução criminal devem trabalhar em benefício da aplicação correta da lei penal.
Portanto, a decisão no Recurso em Habeas Corpus (RHC) n. 158.580/BA passou um claro recado e reafirma o compromisso do sistema jurídico brasileiro com os princípios de justiça, legalidade e respeito aos direitos humanos, garantindo que a busca pela segurança pública seja conduzida de maneira ética e legal.

Até a próxima!

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Referências

  • Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  • Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
  • RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.
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