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Mão Santa encerra mandato como prefeito de Parnaíba e pode ser candidato a vice-presidente

É o primeiro anti-petista. Nunca perdeu uma oportunidade para criticar os governos e as ações de WD e Lula.

Político Mão Santa

Político Mão Santa

23 de junho de 2024 às 13:40
17 min de leitura

O médico cirurgião Francisco de Assis de Moraes Souza iniciou sua carreira política com o primeiro mandato de deputado estadual, em 1978, assumindo no dia 1º de janeiro do ano seguinte. Atual prefeito de Parnaíba em seu segundo quadriênio consecutivo e o terceiro do total, além de ter sido governador por duas vezes e senador da república.

Mão Santa e Adalgisa- Foto: Reprodução

Aos 81 anos, terá 82 em 31 de dezembro, quando vai concluir a gestão à frente da prefeitura de sua terra natal. Tudo indica que vai se aposentar, mas há condições de manter-se em atividade. Inclusive de disputar outro cargo eletivo. O espólio político-eleitoral familiar é conduzido pela filha, Gracinha Moraes Souza, que está no exercício de sua primeira legislatura como deputada estadual.

Gracinha Mão Santa - Foto: Laura Cardoso/Lupa1

O proctologista que tem o apelido de Mão Santa e ganhou fama pelos atendimentos bem-sucedidos na Santa Casa de Misericórdia de Parnaíba, é um fenômeno em segmento que ajuda a projetá-lo. O dos humoristas. Suas tiradas espirituosas, frases de efeito, bordões folclóricos, alimentaram as mentes criativas dos comediantes.

Mão Santa certamente é um dos políticos mais imitados pelo pessoal que faz humor profissionalmente. E entre os amadores, também. Desde quando assumiu o governo pela primeira vez, em 1995, vem sendo “matéria-prima” contínua dos artistas piauienses. O espetáculo “O Dia em que o Mão Santa Perdeu o Emprego”, de João Cláudio Moreno, fez graça com a desgraça. O show lotava teatros e outros espaços adaptados. Virou DVD de grande sucesso. Hoje é facilmente encontrado em plataformas de vídeo.

O dia em que o político foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, 6 de novembro de 2001, por 7 x 0, o marcou para sempre. Moraes Souza foi o primeiro governador condenado num processo de cassação. MS perdeu o mandato pela unanimidade dos votos dos ministros. Ainda foi penalizado pela inelegibilidade por 3 anos, por abuso do poder econômico e político, em 22 acusações.

Mão Santa é recebido pelo povo após cassação

Davi contra Golias

Mão Santa queria ser candidato a governador. Dentro do PDS, que tomou o lugar da ARENA, não conseguia a confiança de seus pares. Os caciques não permitiam. Faziam galhofa com a dicção e a dislalia na fala do médico. Vendo que não iria conseguir na ala conservadora, o político mudou radicalmente de partido, passando ao MDB - Movimento Democrático Brasileiro.

Ao sair da prefeitura em seu primeiro mandato (1989 - 1993), ingressou na nova agremiação partidária, praticamente sem apoios. Resolveu enfrentar um dos mais poderosos grupos políticos do estado, que ele fez parte. Confiantes, os adversários ignoraram o azarão que começou com menos de 5% das intenções de votos. No poder, os concorrentes indicaram Átila Lira à disputa. Mão Santa era só piada.

Um super aparato de campanha foi montado pelo grupo da situação. Contrataram a maior marketeira da época, Beliza Ribeiro, que tinha eleito Fernando Collor, em 1989. Com o mote “Caçador de Marajás”, a publicitária era um case de sucesso pelo desempenho do seu candidato. A equipe abancou-se num andar no então hotel Rio Poty.

Bem próximo dali, uma força tarefa foi montada com a prata da casa, sob o comando do português Jorge Manuel Machado Faísca, da Íris Produções. Situada na Rua São Pedro, num espaço pequeno, com poucos equipamentos, um grupo de jovens profissionais desenvolveu a campanha de Mão Santa e de seu vice, Osmar Araújo, que vinha do movimento dos trabalhadores rurais.

Era gritante a diferença da qualidade das peças de campanha produzidas pelos grupos opostos. Os melhores profissionais do marketing eleitoral do país, salários faraônicos, equipamentos de última geração, mas um candidato oriundo de grupo político desgastado e com altos índices de rejeição. À medida que a campanha avançava, os números iam dilapidando a dianteira de Átila e migravam a Moraes Souza.

“Com a ajuda de Deus e o seu voto, eu serei o próximo governador do Piauí”, era o bordão da campanha de Mão Santa. Com a primeira sílaba de Piauí dita com força, que arrancava risadas e ganhava o voto dos eleitores. Só mesmo a intervenção divina para vencer a máquina de moer gente montada com o que havia de melhor para passar por cima dele.

A passagem bíblica da alegórica luta entre o jovem pastor judeu, Davi, contra o guerreiro gigante filisteu, Golias, era sempre evocada. Caia como uma luva. O eleitorado gostando e começando a simpatizar com Moraes Souza, apostou e garantiu o segundo turno, em 3 de outubro de 1993. Na batalha final, que ocorreu em 15 de novembro, Mão Santa levou a melhor. Ficou com 55,81% dos votos e derrotou Átila Lira, que obteve 44,19%.

“Oligarquia nunca mais!”

O arquiteto da virada promoveu uma ruptura no grupo que estava no poder há décadas e era classificado como oligarquia rural. A segurança absoluta que tinham na manutenção do mandato era tão grande, que seus principais líderes resolveram disputar outros cargos eletivos. Deixaram o governo para um sucessor que ainda não tinha a mesma expertise.

Hugo Napoleão estava tão seguro da vitória numa disputa com Mão Santa que optou por eleger-se ao Senado. Afirmava que só iria concorrer ao governo se o candidato fosse Wall Ferraz, esnobando o parnaibano. O então prefeito da capital não topou o desafio e abriu espaço para a derrubada da elite política vigente pelo anti-herói. Posteriormente, trocaram de “personagem”.

O rei dos bordões mandou mais um: “Oligarquia nunca mais!”. Tratando-o só por americano, por ter nascido quando o pai era diplomata nos EUA, Mão Santa massacrava como podia a imagem de Napoleão. Distanciando-o da população, que se identificava com o jeito simples, a fala com muitos adágios populares, citações bíblicas e frases alegóricas de grandes vultos da história.

A fórmula perfeita para enfrentar o “Príncipe da oligarquia” - outro codinome que procurava colar no adversário. Oligarquia identifica qualquer grupo que monopoliza, domina e controla determinado segmento da sociedade ou vários deles. No caso, política. Mão Santa só não estava nela por ter sido preterido na disputa ao governo do Piauí.

O povo no poder

Moraes Souza, em sua posse, fez questão de encher os jardins do paisagista Burle Marx, que circundam o Palácio de Karnak. Além dos salões nobres da casa, com convidados mais nobres ainda: o povo. Os menos abastados. O povão. Que promoveu a virada e entregou os primeiros 4 anos de gestão a MS.

A cena mudou a chave que designava a antiga rotina de solenidades públicas na sede do governo. Do high society, com suas roupas caras e sapatos louboutin, passou a ser frequentado pelos mais pobres, que ostentavam suas chinelas rasteiras desgastadas, empoeiradas e sem marca. Os ilustres convidados fizeram a festa, encheram bolsos e sacos plásticos de salgadinhos oferecidos nas cerimônias. Os adversários ficavam escandalizados.

Apesar da garantia da presença de populares nas atividades cerimoniais palacianas, o primeiro mandato de Mão Santa foi marcado pelo nepotismo. Parentes diretos ocuparam o comando de diversas pastas de primeiro escalão. E assim seguiu-se com a República de Parnaíba locupletando-se no endereço do poder executivo, na Avenida Antonino Freire.

O clientelismo foi uma estratégia para conseguir governar. Moraes Souza venceu, mas a Assembleia Legislativa era toda dos adversários. A coligação vencedora, “Resistência Popular”, fez apenas 6 dos 30 deputados estaduais e apenas 2 dos 10 federais. A oposição ainda elegeu os dois senadores: Hugo Napoleão e Freitas Neto. Era necessário muitos arranjos políticos para conseguir governar.

Mão Santa tinha fiadores fortes. Com sua habilidade de encantar plateias, seguia conquistando mais e mais apoiadores no meio do povo. O messianismo era explorado com eficiência. Colocando-o como uma espécie de “Salvador da Pátria”. O governador era a representação do homem que sabia manter a população ao seu lado. O que faltava de suporte na Assembleia Legislativa para tramitar e aprovar projetos de interesse governamental, sobrava de base popular nas ruas.

O contrapeso assegurado pelas classes mais necessitadas imprimia respeito e intimidava os adversários, que evitavam bater de frente. Aos trancos e barrancos, conseguiu concluir o primeiro mandato e partiu para concorrer à reeleição. Desta vez, Hugo Napoleão veio enfrentar diretamente MS. Era questão de honra derrotá-lo. Os ataques inclementes a HN e à sua mulher motivaram encarar o mais popular.

Todo o aparato do grupo derrotado em 1994 voltou com mais força para conquistar o governo em 1998. Na primeira batalha, em 4 de outubro, 43,74% para Napoleão e 40,58% para Mão Santa. No segundo turno, em 25 de outubro, o governador confirmou a reeleição, com uma vantagem inferior a 2%. Finalizando o pleito com 49,04%, Hugo Napoleão amargou a derrota para MS, que ficou com 50,96% dos votos válidos pela coligação “O Piauí em Boas Mãos”.

Durante os seus governos, Moraes Souza foi interpelado diversas vezes pela Justiça devido ao seu estilo personalista e populista de governar. Os programas e projetos sempre encontravam uma forma de associá-lo. Sopa na Mão, Spa Santo, entre outros. Além da própria marca do governo que lembrava mãos postas em oração, com o Piauí sendo acolhido por elas. O Ministério Público cobrava insistentemente a impessoalidade na gestão pública.

O anti-PT

Cassação

Depois da cassação, Hugo Napoleão assumiu o governo, com o seu vice, Felipe Mendes, em 19 de novembro de 2001. Mão Santa disputou o Senado, em 2002, e elegeu-se juntamente com Heráclito Fortes. HN disputou o governo com Wellington Dias, que o venceu no primeiro turno, com 50,96%.

Moraes Souza e o Senado da República foi uma união perfeita. Discursista convicto, MS não perdia uma oportunidade em usar da palavra no plenário da Câmara Alta brasileira. A mesma fama das mensagens esdrúxulas que conquistaram os eleitores piauieses, foi replicada numa versão potencializada para o Brasil.

Mão Santa tornou-se queridinho da TV Senado, que aumentava sobremaneira a sua audiência. Quando subia ao púlpito ou fazia apartes do plenário, era sinal de crescimento dos que estavam assistindo. Moraes Souza conseguiu a proeza de popularizar um canal estatal legislativo. Não é pouca coisa. A emissora deve sentir a falta do político que valorizava a sua programação. MS fez mais de mil discursos durante os 8 anos de mandato.

Sem conseguir emplacar seus indicados no governo de Wellington Dias, MS elegeu seu algoz predileto: o Partido dos Trabalhadores. Provavelmente, Moraes Souza é o primeiro anti-petista. Nunca perdeu uma oportunidade para criticar os governos e as ações de WD e Lula. A quem ele só chamava de Luiz Inácio.

As provocações acabaram motivando uma perseguição implacável a ele e ao seu companheiro de pancadas no PT, Heráclito Fortes. A ordem veio diretamente do Palácio do Planalto. O partido no Piauí deveria fazer todos os esforços para tirar ambos dos mandatos. E assim o foi. A guerra declarada segue até os dias de hoje.

Aposentadoria?

O atual cenário político em Parnaíba, reduto eleitoral dos Moraes Souza, é incerto. O sucessor, que também é Francisco, luta para emplacar seu nome em meio a uma disputa com outros adversários fortes, como o deputado Dr. Hélio e o ex-prefeito José Hamílton. Correndo o risco de não conseguir manter a prefeitura, o grupo já garantiu uma cadeira na ALEPI para manter a família viva na política.

A aproximação com Bolsonaro credenciou o seu nome para voos mais altos. Mão Santa foi cotado para concorrer como vice-presidente, em 2022. O general Braga Netto ficou com a vaga. Com a fragorosa derrota da direita no Nordeste, que perdeu nos 9 estados, ele voltou à tona como um quadro forte na representatividade necessária para diminuir a diferença.

Com Jair Messias inelegível até 2030, Mão Santa voltou à cotação para a eleição de 2026. Os estrategistas apontam uma chapa com Michele Bolsonaro na cabeça e MS de vice como capaz de aproximar-se dos colégios eleitorais nordestinos dominados historicamente pelo Partido dos Trabalhadores.

Mão Santa também conhece a derrota. Muitas vezes sentiu o gosto amargo de perder uma disputa eleitoral. A primeira foi a prefeito de Parnaíba, em 1982. Sensação que voltou a sentir em 2012, quando foi derrotado por Florentino Neto. Em 2014, foi derrotado novamente. Dessa vez para Wellington Dias, ao governo.

Ganhar e perder na política faz parte do pacote de doçuras e agruras da vida pública. Nenhuma derrota é para sempre. Bem como nenhuma vitória também é eterna. Mão Santa deixa o cargo no último dia do ano, mas isso não quer dizer que seja seu último cargo público. Os eleitores e fãs de MS vão seguir cobrando para que ele permaneça na vida pública. Dessa vez ele tem um rival muito poderoso: o tempo.

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