Coluna Lugar de Fala

Sindicato dos Artistas debate a cena artístico-cultural de Teresina e do Piauí

Nos últimos 12 anos, quanto deixou de ser investido na produção de bens culturais em Teresina, com a ausência da Lei?

Sindicato dos Artistas realiza encontro em Teresina - Foto: Paulo de Tarso

Sindicato dos Artistas realiza encontro em Teresina - Foto: Paulo de Tarso

12 de julho de 2024 às 20:17
14 min de leitura

O Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão - SATED-Piauí, entidade que abriga o pessoal das artes cênicas (dança, teatro, circo e ópera), técnicos os mais diversos (iluminação, sonoplastia, etc), além de manequins e modelos, realizou na manhã de hoje reunião para debater sobre a realidade do segmento em nível estadual e municipal (Teresina).

Sindicato dos Artistas realiza encontro em Teresina - Foto: Paulo de Tarso

A entidade comandada pela atriz Lari Salles, apesar da iniciativa, foi muito questionada por sua inanição. A maioria dos artistas presentes concorda que o Sindicato dos Artistas é a única entidade capaz de representar os interesses da classe, porém, precisa tomar uma postura menos subserviente. Reservadamente, afirmaram que o SATED faz-se de cego, surdo e mudo para muitos problemas apresentados.

Funcionamento do Sistema de Incentivo Estadual à Cultura - SIEC, Lei A. Tito Filho, funcionalidade dos Conselhos de Cultura, circulação como política pública, foram os principais temas que vieram à baila. Entre os que usaram da palavra, críticas severas às gestões da Secretaria Estadual de Cultura e da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

SATED discutiu vários temas e realidade do segmento artístico- Foto: Frank Lauro.

Segundo a presidente da entidade, os demais atores diretamente envolvidos com os temas foram convidados. Secult, Fundação Cultural Monsenhor Chaves e Conselho Estadual de Cultura não compareceram nem enviaram representantes. Num claro desrespeito aos presentes. Tempos difíceis. Pré-campanhas eleitorais nas ruas. São assuntos que vão respingar em gestores da área.

Infelizmente, os únicos que podem realmente mudar a realidade como autoridade constituída no executivo faltaram. Perderam uma grande oportunidade de estar mais próximos de quem eles representam. A impressão que fica é que o assunto melindroso não está na pauta como prioridade.

Pré-candidatos também foram chamados. Apenas o ex-presidente do Conselho Municipal de Política Cultural, Pedro Vidal (PDT), estava presente. Mesmo não sendo diretamente ligado ao setor artístico cênico, já que é das artes visuais, usou da palavra, discorreu com propriedade sobre as falhas que imprimem a atual realidade e apontou caminhos.

A atriz Bid Lima não foi. Pré-candidata nata da categoria justificou que sua ausência foi motivada por compromissos inadiáveis. Segundo ela, “No horário previsto, encontrava-me em uma reunião no partido PSB, correndo contra o tempo para resolver as burocracias referentes à minha candidatura junto ao TRE”.

Sindicato dos Artistas realiza encontro em Teresina - Foto: Paulo de Tarso

O partido da pré-candidata prevê que a realização de sua convenção será no próximo dia 20 de julho. Só após o evento é que os nomes dos futuros candidatos serão levados à homologação do Tribunal Regional Eleitoral. Prazo que pode se estender por até mais um mês. Até o início de abril deste ano, Bid atuava na gestão pública estadual da cultura.

Lei A. Tito Filho

Criada em 1993 na gestão do prefeito Raimundo Wall Ferraz, está há 12 anos inativa. É a única lei de fomento da capital piauiense. Sem ela, a produção municipal fica engessada, tendo os artistas e produtores que apelar a mecanismos de outras esferas públicas para contemplar as demandas de Teresina.

O vereador Edilberto Borges, o Dudu da Trindade (PT), há alguns anos, revelou-me que havia um projeto de lei municipal que traria a A. Tito Filho de volta. Na tarde de hoje, enviei mensagem à autoridade que respondeu. Perguntei sobre a situação da redação da nova Lei A. Tito Filho. O edil solicitou um prazo até a próxima segunda-feira, 15, para uma resposta sobre o assunto.

Encontro da SATE em Teresina - Foto: Frank Lauro.

Nos últimos 12 anos, quanto deixou de ser investido na produção de bens culturais em Teresina, com a ausência da Lei? A verba que seria repassada aos artistas foi encaminhada para onde? O valor que seria aplicado nos últimos 12 anos vai retornar à Lei A. Tito Filho? São questionamentos que apenas o prefeito de Teresina, a Câmara Municipal e a Fundação Cultural Monsenhor Chaves podem responder.

O retorno da lei municipal de fomento é um sonho distante e sem perspectiva. Nenhum dos pré-candidatos a prefeito da capital abordou a temática até agora. Certamente vão tocar no espinhoso mote. Até lá, vão ouvindo o que querem os artistas. Uma coisa que não vai faltar é a promessa que ela será restaurada em 2025. Todos hão de prometer.

SIEC

O SIEC é o único mecanismo estadual de fomento aos bens culturais em funcionamento. A Lei Nº 4.997 foi sancionada em 30 de dezembro de 1997. Sofreu alterações em 14 de julho de 2004, por meio da Lei Nº 5.405. Em 23 de julho de 2008, mais uma atualização através da Lei Nº 5.781. A última mudança ocorreu em 3 de janeiro de 2020, com a Lei Nº 7.329.


Em pleno funcionamento, a Lei é abastecida com até 0,5% do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, após desconto de 25% do total para os municípios e o FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental da Valorização do Magistério. A cada ano vem crescendo em valores distribuídos. Entretanto, apenas uma parte é direcionada diretamente a quem produz bens culturais.

Entre os problemas apontados pelos presentes na reunião está a falta de transparência nos critérios de avaliação dos projetos propostos. Não há avaliadores especializados nas linguagens. Os pareceristas, que fazem o trabalho de análise do que é proposto, são burocratas, em sua maioria. O que aumenta a desconfiança dos artistas sobre o direcionamento àqueles que estejam alinhados politicamente e a exclusão de quem questiona.

Aliás, é um tema recorrente a perseguição aos artistas e produtores que questionam as incongruências da execução do SIEC. Segundo a maioria dos artistas, que preferiram não ter seus nomes revelados, os recursos da Lei são aprovados e encaminhados conforme a conveniência política da SECULT.

O ator e dramaturgo, Waldílio Siso, que também é representante do escritório do Ministério da Cultura no Piauí, relatou aos presentes que certa vez enviou e-mail ao SIEC. Ele questionava o porquê de seu projeto não ter sido aprovado. Segundo declarou o artista, a resposta que recebeu foi a cópia da Lei. O que reforça as reclamações. Os critérios de seleção dos projetos não estão claros nem obedece a um sistema em que todos tenham acesso e possam acompanhar.

A atriz e produtora Reijane Dias afirmou que “O SIEC é das associações”, referindo-se a entidades criadas para chegar nos recursos públicos. A reportagem foi apurar a afirmação e concluiu que ativistas culturais periféricos são motivados a se organizarem juridicamente a fim de obter um CNPJ e concorrerem por verbas maiores, que seriam garantidas a seleção pela gestão.

A própria Reijane revelou que certa vez queixou-se a um gestor da Cultura por não ter seu projeto selecionado. A autoridade teria dito a ela que no ano seguinte seria aprovada. E assim o foi. Como não conseguimos confirmar a denúncia com a autoridade, que foi citada nominalmente, não o mencionaremos agora. A artista disse ainda que “Há muito tempo nós vivemos numa verdadeira Ditadura Cultural”.

Composto por 10 membros, apenas 2 são diretamente ligados aos artistas. Portanto, a classe a quem os recursos são direcionados jamais terá a mínima chance de fazer valer seus posicionamentos. Questionar? Jamais. A perseguição é certa. Na plateia, todos receosos, mediam exatamente cada palavra antes de pronunciá-las.

Conselhos

O Conselho Estadual de Cultura, fundado em 1965, sendo o primeiro de sua categoria no país, perdeu-se no tempo e encontra pouca funcionalidade. Com caráter consultivo e normativo, faz parte da estrutura da SECULT, reúne-se semanalmente e distribui jetons aos seus conselheiros por cada encontro. A categoria questiona para que está servindo o CEC?

A SECULT ainda não implementou o seu Conselho de Política Cultural e também não revela quando pretende fazê-lo. Como signatário do Plano Nacional de Cultura, o Estado do Piauí deve fundar e colocar em funcionamento o órgão que também é deliberativo. Com poder de elaborar políticas públicas, orientar seu funcionamento e outras atividades.

Atualmente, há membros do CEC que são apontados como verdadeiros carrascos dos artistas. Sempre a postos para defender os interesses da secretaria, partem para cima dos questionadores sem dó nem piedade. O que aumenta ainda mais a rejeição ao Conselho e aos seus membros.

Já o CMPC - Conselho Municipal de Política Cultural, atualmente formado por 18 membros (que nunca se reuniram na totalidade), tem representatividade paritária. O que o torna de suma importância para quem gesta e para quem produz. Em tese. Na prática, a atual gestão da Fundação Cultural Monsenhor Chaves faz vistas grossas ao Conselho.

No começo de maio deste ano, o CMPC provocou audiência pública na Câmara Municipal de Teresina. O então presidente, Pedro Vidal, entregou a proposta do Plano Municipal de Cultura ao poder legislativo de Teresina para a devida apreciação. O documento está disponível no site da FCMC.

Segundo o artista, O PMC tem 12 metas e prevê 239 ações. Entregue à vereadora Elzuíla Calisto (PT), que presidiu a sessão, ainda não recebeu devolutiva da CMT. Embora a relação da Fundação Monsenhor Chaves seja precária com os artistas, o Conselho mantém-se próximo. É evidente o esforço em cumprir sua missão e o respeito a todas as linguagens e seus fazedores.

Encaminhamentos

A reunião teve baixo quórum, mas uma grande representatividade de artistas que têm obras e carreiras relevantes. Entre os presentes ainda não citados: Aci Campelo, Lorena Campelo, Cláudia Amorim, Augusto Neto, Nildo Acioly, Roberto Portela, Paulo de Tarso, Maykon Kawabe, Ademílton Moreira, Frank Lauro, Carlos Veras, entre outros.

Ao final, o encontro que começou por volta de 10h e terminou depois de 12h30, a presidente do SATED-PI orientou que haja uma próxima reunião. Nela será formado o Grupo de Trabalho que vai redigir documento com as reivindicações dos artistas a serem entregues às autoridades. Lari mencionou que pretende acionar o Conselho Deliberativo do SIEC para a apresentação dos temas de interesse do segmento. Uma comissão será especialmente formada para a finalidade.

A impressão que temos é que houve um esvaziamento proposital. Outras reuniões que aconteceram com o mesmo propósito, tiveram um número muito maior de participantes. Os que estão locupletados certamente não compareceram. Os que têm medo de represálias também não foram.

Vamos aguardar os próximos passos. Ao mesmo tempo, a coluna segue apurando afirmações muito graves em tom de denúncia. É certo que os que estavam presentes não têm o menor interesse em causar nenhum desconforto a político. O que ficou claro é que há poucos ativistas, mas muito comprometidos. Todos intencionados em aperfeiçoar os mecanismos não para si e sim para o coletivo.

Por: Willian Tito

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